Exaltaram a beleza da vida<br>e continuam connosco
O funeral de Joaquim Benite, realizado no cemitério do Alto de São João, em Lisboa, na tarde de dia 6, foi um emotivo adeus a um dos mais destacados vultos do teatro e da cultura portuguesas. Nele estiveram presentes altas individualidades da vida cultural e política, como o secretário de Estado da Cultura, encenadores, produtores e actores que com ele trabalharam. E muitos dos que aprenderam a amar o teatro com as geniais encenações que deixa para a posteridade.
No local, sob uma chuva diluviana, o actor e encenador Luís Vicente leu, em nome da Companhia de Teatro de Almada (de que Benite foi fundador e que dirigiu até ao último sopro de vida), um texto de despedida ao «mestre» e «amigo», que dirigia actualmente a estreia absoluta em Portugal do «Timão de Atenas», de Shakespeare. E foi remetendo para a obra («que de Atenas fala pouco, mas fala muito sobre a hipocrisia e a falsidade dos homens») que Luís Vicente lembrou as palavras que o personagem «põe na boca daquele que, desiludido do caminho que a sociedade ia tomando, se afastou dos homens para morrer sozinho: “Sol, esconde os teus raios: o Joaquim chegou ao fim do seu destino”.»
Próximo do povo
Mas Joaquim Benite não foi apenas um homem do teatro e sem dúvida que não foi um qualquer homem do teatro. Foi, sim, alguém que via esta forma de expressão artística como um direito do povo e que ao povo o levou. Nomeadamente ao de Almada, onde instalou em meados dos anos 70 do século XX o Grupo de Campolide, mais tarde transformado em Companhia de Teatro de Almada. Deve-se também à sua acção o nascimento e consolidação daquele que é o mais consagrado festival de teatro do País e um dos mais importantes da Europa, o Festival Internacional de Teatro de Almada.
Isso mesmo foi sublinhado pela presidente do município, Maria Emília de Sousa, que valorizou a importância de Joaquim Benite e da Companhia de Teatro de Almada para a democratização cultural no concelho nos anos que se seguiram ao 25 de Abril.
Esta ligação de Joaquim Benite ao povo é sublinhada na mensagem de condolências enviada pela CGTP-IN (cujo Secretário-geral Arménio Carlos esteve presente nas cerimónias fúnebres), que destaca o «cidadão notável», o militante «política e socialmente empenhado», o «encenador abnegado», o «criador persistente» e também o «amigo, camarada, companheiro de lutas», sempre presente na procura de uma «sociedade mais justa, mais humana, mais culta». E, sempre, o encenador que fazia questão que muita da audiência dos seus espectáculos vestisse «fato-macaco».
Militante comunista
Outra das vertentes da vida de Joaquim Benite a ficar bem vincada no momento da despedida foi a sua qualidade de militante comunista, a qual não separava da sua condição de artista e criador. E tantas e tantas foram as peças que levou à cena em que era claro este pano de fundo...
Intervindo na cerimónia, Jerónimo de Sousa considerou o desaparecimento de Joaquim Benite uma «perda irreparável para a cultura portuguesa», por se tratar de um homem que «fez do teatro a sua principal arma de intervenção e a soube utilizar de forma superior e extraordinariamente eficaz; um trabalhador intelectual incansável e talentoso, com uma impressionante e inesgotável capacidade criadora; uma figura que ultrapassou fronteiras e se prestigiou à escala internacional».
Lembrando alguns aspectos da sua rica biografia, o Secretário-geral do Partido destacou o «exemplo da colocação da cultura e da intervenção cultural ao serviço do ser humano, da consideração da cultura como componente essencial da democracia». Para Jerónimo de Sousa, Joaquim Benite foi um «protagonista activo – na teoria e na prática – do movimento de renovação do teatro português que se desenvolveu imediatamente antes e logo a seguir ao 25 de Abril».
Revelando uma vertente porventura menos conhecida do percurso de Joaquim Benite, o dirigente do PCP realçou a sua participação, em 1969, na Comissão Política da Comissão Democrática Eleitoral e no II Congresso da Oposição Democrática realizado em Aveiro. Militante do PCP desde 1976, integrando a luta do colectivo partidário, Joaquim Benite encontrou nas «mais de cem encenações por ele criadas» e na «sua acção como homem da cultura e da arte», a sua «forma primeira de estar na luta, de cumprir a sua militância partidária, de dar o seu valioso contributo para o reforço do Partido e da luta em que este está empenhado».
Para além de Jerónimo de Sousa, integravam a comitiva do PCP Francisco Lopes, José Capucho e Margarida Botelho, dos organismos executivos do CC. O Secretariado do Comité Central emitiu uma nota no dia do falecimento de Joaquim Benite.
Arquitecto e comunista
Expressando o seu «profundo pesar pela morte de Óscar Niemeyer», o Secretariado do CC do PCP, numa nota de dia 6, destaca a «figura maior, no Brasil e no Mundo, da arquitectura e do urbanismo no século XX», que marcou indelevelmente. Para o Secretariado, Niemeyer foi o «protagonista maior do desenvolvimento de técnicas de construção em betão armado explorando ao limite as suas possibilidades plásticas e de construção» estando a sua obra espalhada por diversos países e continentes, incluindo Portugal.
Realçando a sua adesão ao Partido Comunista Brasileiro em 1945, o PCP lembra que ao longo da sua vida, Neimeyer dedicou «os seus conhecimentos, trabalho, criatividade e sensibilidade à causa da emancipação dos trabalhadores e dos povos e ao ideal de toda a sua vida, o ideal comunista». Para os comunistas portugueses, que enviaram à esposa, à família, aos seus companheiros de trabalho e camaradas de luta e militância as sentidas condolências, a morte de Óscar Niemeyer significa a «perda de um camarada, de um comunista que com a sua militância, o seu trabalho e a sua intervenção cívica e partidária, sempre procurou, como afirmava, “ser simples, criar um mundo igualitário para todos, olhar as pessoas com optimismo”».
Sonhar a «Terra Livre e Insubmissa»
Numa nota do Gabinete de Imprensa da Direcção da Organização Regional do Porto emitida no dia 5, o PCP lamenta a morte do poeta Papiniano Carlos. Natural de Moçambique e residente em Portugal desde os 10 anos, Papiniano Carlos formou-se em engenharia, matemáticas e físico-químicas. Ao recusar-se a subscrever a «declaração anticomunista» foi impedido de leccionar no ensino oficial. Foi, então, delegado de propaganda médica e deu explicações para ganhar o pão.
O primeiro livro de versos, «Esboço», foi publicado em 1942, seguindo-se quatro anos depois «Estrada Nova», obra visivelmente neo-realista que despertou o interesse do público. E da PIDE, que a apreendeu. Seguiram-se «A Ave sobre a Cidade», «Canto Fraternal», «Terra com Sede», «Caminhemos Serenos», «O Rio na Treva», entre outros.
Entre 1957 e 1961, com Egito Gonçalves, Luís Veiga Leitão, António Rebordão Navarro e Daniel Filipe, participou na direcção literária dos fascículos de poesia «Notícias de bloqueio» e na antologia «Sonhar a Terra Livre e Insubmissa». Na sua criação literária mereceram relevo especial obras para crianças, narrativas em prosa e em verso, tendo ainda publicado, em 1998, o livro «A Memória com Passaporte: Um tal Perafita na “Casa del Campo” – Relato de um prisioneiro na PIDE do Porto em 1937».
Ligado ao PCP desde 1949, foi juntamente com a esposa um «forte apoio à luta de resistência do PCP e dos seus funcionários na clandestinidade», salienta a DORP, que realça ainda as várias vezes em que foi preso pela PIDE . Participante activo na luta da Oposição Democrática no Porto, integrou e animou movimentos como «Os Modestos», o TEP e o Conselho Português para a Paz e Cooperação.
Após o 25 de Abril, integrou o Sector Intelectual da Organização Regional do Porto do PCP, mantendo uma elevada militância e participação nas lutas em defesa das conquistas revolucionárias, em particular da Reforma Agrária e da Constituição da República.